sexta-feira, 13 de março de 2009

Melhor Amigo

Parte 2.

Por alguns anos fomos proibidas de ter cachorro em casa. Desde que mudamos para a Bahia só morávamos em casas alugadas, nunca passando muito tempo numa mesma casa, então meus pais decidiram que seria melhor esperar até termos a nossa própria, para então pensar num cachorro. Mas a idéia nunca saiu da nossa cabeça, minha e da minha irmã. Mais na dela, confesso, porque não conheço alguém que ame mais os cães do que a minha irmã, o sonho dela é ter um canil. Então, assim que papai fechou negócio na nossa primeira casa própria na Bahia, Amanda anunciou: "vou escolher um cão para gente". E decidida, como só ela já aos doze anos de idade, foi o que fez. Era uma ninhada de muitos, muitos filhotes, basset duschund, cuja mãe havia falecido. Os bichinhos nem tinham tido tempo de desmamar, ainda eram tão pequenininhos, pareciam ratos. Amanda escolheu o menorzinho, o mais raquítico e com cara de menor abandonado que ela conseguiu achar, "por pura pena", segundo ela mesma. E ele recebeu como nome outra piada irônica, porque minha família tem uma queda por ironia inexplicável: batizamos Lancelot, o cavaleiro da casa. Na primeira noite, o nosso cavaleiro quase se esgoelou de tanto chorar, o que nos convenceu a deixá-lo dormir dentro de casa. Um erro. Aprendam com o nosso erro, não deixem seus cães se acostumarem a dormir dentro de casa ou eles nunca mais vão querer sair; são capazes de expulsar vocês de dentro da casa deles... Pelo menos o MEU cão é capaz disso.

Lancelot é um cão único e todo mundo que o conhece (e até os que apenas ouviram falar) concordam plenamente que ele não é um cão "normal". Já passamos por muitas situações engraçadas, tensas e muitas vezes comoventes com ele. Como todo cão, ele teve uma adolescência difícil; difícil para os donos, muito mais do que para ele. Perdi as contas de quantos chinelos meus foram devorados por aqueles dentinhos afiados. Aliás, todos na casa tiveram perdas consideráveis no quesito calçados. Mamãe chegou a perder três sandálias novas em apenas um dia. Ela cometeu o grave erro de deixar o Lan chegar perto daqueles pedaços de couro novinhos, cheirosos e, com toda certeza, muito apetitosos, e pagou um preço alto pelo seu "erro". Claro que ficávamos bravos com ele, mas nunca o suficiente para dar um fim ao mau-hábito. Achamos que era coisa da idade, que iria passar assim que ele saísse da adolescência. Acontece que ele já saiu da adolescência faz tempo e não deixou a mania de devorador. A diferença é que agora ele usa essa "artimanha" como estratégia de vingança, caso fique chateado com a gente por algum motivo. Se o deixamos sozinho em casa é melhor ter certeza que nada destrutível ficou ao alcance dos seus dentes, ou pode esquecer que o objeto já existiu um dia, você não vai voltar a vê-lo inteiro nunca mais. Certa vez, quando ele ainda era criança, minha irmã esqueceu umas revistas que havia pegado emprestado com uma amiga, em cima da cama dela. Foi um banquete! Não sobrou foto sobre foto, letra sobre letra, página sobre página, nada a não ser um amontoado de papel picado, espalhado pelos quatro cantos do quarto. Nunca vi minha irmã tão desolada na vida dela e nunca a vi brigar com Lancelot como naquele dia! E também foi a primeira vez que o vi realmente arrependido e desesperado por conta de uma travessura. Amanda ficou desconsolada e ele também. Ela tentou mantê-lo afastado, mas não conseguiu por muito tempo; ela chorava pelas revistas e ele secava as lágrimas, lambendo as bochechas dela, com olhos enormes e expressão triste. Ele sabia que tinha aprontado e se arrependeu de verdade. Nem sempre ele voltaria a se arrepender, apesar de sempre, sempre saber quando faz algo errado, e sumir do mapa assim que é descoberto, pra ninguém conseguir dar a lição que ele merece.

A bolinha é dele e só dele, entendeu?

Apesar das travessuras e da rebeldia, o Lan me ensinou muito sobre fidelidade e, principalmente, cuidado para com quem amamos. Minha vózinha que o diga. Papai é filho único e órfão de pai, minha vózinha só tem a gente como família. Mas ainda assim ela faz questão de ter a própria casa, no interior do ES ainda, e só vai lá em casa de vez em quando, como visita. Ela ama o Lan e o Lan é louco por ela (assim como por quase todo mundo que ele conhece, e a recíproca é verdadeira). Quando vovó está lá em casa ele só quer dormir se for junto com ela, no mesmo quarto, do lado da cama. E é claro que ele consegue; Lancelot consegue tudo que quer, é a criança mais mimada da família. Uma noite, numa dessas visitas, vovó saiu da cama para ir ao banheiro e desmaiou lá dentro. Eu acordei com o barulho mais terrível que eu já ouvi: um choro desesperado. O Lan corria pela casa ganindo, acordando todo mundo, querendo avisar que algo de muito errado estava acontecendo. Claro que conseguiu nos convencer. Ele corria e gania desesperadamente, dos pés do meu pai até o banheiro e de volta, como quem dizia "vem, rápido, é por aqui!" Meu pai chegou e viu vovó caída no chão. Conseguimos levá-la de volta pra cama e cuidar pra que ela ficasse bem, provavelmente foi queda de pressão, mas poderia ter sido algo grave. Se não fosse nossa "sirene de alerta ambulante", ninguém teria percebido até que um se levantasse e fosse ao banheiro. Nesse dia e no outro, o Lan virou a sombra da minha avó: onde ela ia, lá estava ele atrás dos seus pés. Não descuidou nem por um momento dela, sempre alerta para qualquer emergência poder avisar a quem pudesse ouvir, com sua imitação de sirene a plenos pulmões.

Há quem diga também que o Lan é o cachorro mais humano que já se tem notícia. Não sei até que ponto isso é uma qualidade, acho que seria muito mais vantajoso para ele ser apenas cachorro. Mas não tem quem discorde da inteligência excepcional e da facilidade com que ele aprende (só o que lhe interessa, é claro). Ele entende tudo que a gente fala para ele, sobre ele, perto dele e já estou começando a desconfiar que ele lê pensamentos! Por exemplo, meu cachorro detesta tomar banho. Ele tem verdadeiro horror a água e acha que o tanque e a torneira, o sabão e a escova são objetos de tortura medievais para cães traquinas. Ele foge do banho com muito mais desenvoltura e rapidez do que o diabo foge da cruz. Logo, logo, nos seu áureos tempos, ele entendeu o que significava a palavra "banho" e começou a se esconder assim que ouvia alguém pronunciá-la. Não importa que o interlocutor tivesse dito "vou tomar meu banho"; se aparecesse na frente dele com uma toalha nos ombros, depois de ter dito a palavra mágica, podia esquecer que não o veria de novo até ele achar que estava seguro. Então, com o passar do tempo, tivemos que substituir a palavra por outra, pra conseguir ludibriá-lo. De banho passamos à "faxina" (não demorou muito pra ele decorar essa também, e dia de faxina na casa ninguém vê sinal de Lancelot), "limpeza", "coisa", "aquilo"... E da última vez que eu tentei, bastou uma troca de olhares cúmplices entre mim e a minha irmã, sem trocar nenhuma palavra (eu juro!), para o Lan se pirulitar e se esconder do lado do sofá, o esconderijo predileto dele. Eu fiquei pasma! Eu sabia que ele conhecia as palavras, mas não fazia idéia que ele entendia de leitura corporal! Outra coisa curiosa, que todo mundo se surpreende e acha graça, é a hora de dormir. O Lan já está velho, nove anos agora, já está cheio de cabelos brancos e um monte de manias que vieram com a idade. Uma delas é o seu horário de dormir, sempre por volta das nove e meia, no mais tardar dez horas. Ele não abre mão de dormir esse horário; mas também não abre mão de companhia, claro. Então se ele quer dormir, agluém tem que dormir com ele. Quem? tanto faz, desde que entre no quarto e ligue o ar condicionado e FIQUE no quarto, porque o bichinho dorme com um olho aberto e o outro fechado. E quando eu digo que alguém TEM que ir, tem que ir! Se não for, ele para na frente da pessoa, senta e fica encarando o escolhido eternamente, sem se mover, sem piscar e, o mais importante, sem desistir do seu poder de persuasão. Fico imaginando o que se passa na cabeça dele, "vamos logo, sim? Estou aqui caindo de sono e você não percebe! Será que dá pra deixar o Big Brother de lado hoje e ir pra cama mais cedo?". Ninguém consegue resistir a sua insitência e alguém acaba se rendendo e indo dormir, no que ele segue prontamente atrás, todo serelepe, carregando seu travesseiro pela boca. E, o mais engraçado: se alguém disser "vamos dormir?" ou qualquer coisa parecida, qualquer coisa mesmo, ele é o primeiro a pular na frente, com o travesseiro na boca e se dirigir para o quarto! Juro, você só precisa dizer, não precisa nem se mexer, que as orelhinhas já ficam em pé, "atenção! palavras mágicas!", e ele corre na frente! Chegou ao cúmulo de ele estar dormitando na sala, na hora da novela das oito, e assim que a novela acabava e a música dos créditos começava, ele pulava em pé e assumia sua posição em frente a gente, porque sabia que era a hora de dormir. Ele decorou a música da novela como sinal para ir para o quarto e curtir o soninho gostoso no ar condicionado.

Preguiça pouca é bobagem!

A gente conta essas coisas e as pessoas não acreditam, acham que estamos exagerando. Até que conhecem o Lan e nunca mais duvidam de nada que a gente fala. Já nos acostumamos com a nossa "peça", mas ainda morremos de rir das "peripércias do Lancelot", como costumamos chamar. É o jeito dele, ele é especial, disso não temos dúvida. É o cão mais amado da cidade e todo mundo o conhece. Aliás, já fui parada na rua com a pergunta "você que é a dona do Lancelot, né?". Sim, sou eu, a dona do cachorro mais popular das redondezas. Amável, carinhoso, um tanto cabeça dura, inteligente, conquista todo mundo que cruza o seu caminho. E para conquistá-lo você não precisa de nada; o único esforço é manter-se de bom humor. Se ele perceber que pode ser feliz ao seu lado, vira seu amigo de infância para o resto da vida.


15 comentários:

Beto Canales disse...

Gostei do nome. hehe

Anônimo disse...

Ai que lindo, Lorena! Eu acredito em tudo que você disse sobre ele, pois tive um duschund e ele era muito inteligente, tinha uma personalidade incrível e também odiava banho(rs). Ele sumiu. Nunca saímos do luto. =(
Obrigada por mostrá-lo! Alegrou a minha tarde!
Beijos!!

Líviarbítrio. disse...

Lorena, ri muito com as histórias imaginando as "peripércias do Lancelot". Que cão engraçado e, muito, inteligente!

Já gostei dele! ;)

Beijos.

Ju disse...

Lores,

Tem uma lacuna na minha vida e aí vai minha confissão. Nunca tive um cachorro ou um bichinho qualquer que seja. E isso é coisa pra terapia. Sempre morei em apartamento e meus pais não aceitavam com bons olhos a ideia de um cachorro em casa...

O fato é que eu sonho com um. Outro dia acordei com uma sensação de felicidade tão grande, porque alguém tinha me dado um cachorro (no sonho). Tobias, o nome dele. Meu Tobi. Ele era um filhote manhoso e eu não podia sair de perto que ele choramingava! Só tem um problema, eu não entendo de raça de cães... mas ele era assim parecido com Lancelot! :)

Espero muito ter meu canto pra poder adotar o mais fiel dos amigos (ainda que comedor de sandálias!!!) hehe!

E adoro vir aqui. Pena que tenho andado numa correria!

Beijos, Loresss!!!!

Saudade, viu! =*

Mari disse...

Lore!
Amei o Lancelot!!
Que cão (gente) maravilhoso!!
E adorei ver seu rostinho na foto!
Como vc é linda, amiga!!
Eu me emocionei com seu post. entendo o amor que sente pelos cães. Perdi meu amado Boxer Gabo há 3 anos. Morreu aos 9 de parada cardíaca. Nada, mas nada mesmo supre essa falta!
Freud tem uma frase que eu gosto muito. ele, que era um apaixonado por cães, sempre falava: "eu prefiro a companhia dos animais. Eles são muito mais simples!". E não é a verdade?
Um amor puro e real. Que não tem máscaras, humores, apenas é.
Vida longa ao Lan!!
bjos em vc, querida!

Anônimo disse...

Que lindo!!!
A Amanda é persistente, hein?!! rsrs...
Eu acho essa sua fotinha com ele linda!!!!

E ao te ler, conseguir entender uma coisa: Cães nos ensinam a viver!!

Beijos, Flor

Letícia disse...

Lori,

Eu já tive cachorro de todo tipo e de todos os nomes. Já tive Sansão, Popeye, Beatle... tenho a Lulu e o Jerry. A Lulu está velhinha e mora com a minha mãe. O Jerry está na flor da idade e devora as plantas so meu jardim. Passei tempos sem querer ter outro cachorro depois que o Beatle morreu. Ele era como o seu Lancelot. Lindo, não era de raça, mas era enorme e tão fofo e me fazia companhia e eu amava tanto aquele cachorro. Todo mundo amava. Ele era conhecido por todos. Emgraçado como essas criaturinhas se tornam parte de nossas vidas. Hoje eu tenho o Jerry Mcguire e ele é louco, mas estou apegada. Minha nossa.

Bjs, Lori.

Lov u.

Dulce Miller disse...

Eu acredito em tudo! ;)
Estou adorando esta série e esta foto é simplesmente maravilhosa!

Boa semana pra você, querida Lore!

Anônimo disse...

Lorepop e Lancelot. rsrsrsrs
Adoro o nome dos seus doguinhos rsrsrsrs E claro que ele é meio humano, omaior exemplo é a facilidade de aprender só o que lhe interessa, todos nós não somso assim rsrsrs.
Eu já vi, isso "ecziste" alguns cachorros leem pensamentos eu conheço um assim também e que reclama pq não o levam para dormir tbm hahahahaha [Rumo ao tri rsrsrs]

tiago.augusto disse...

adoro as histórias do Lan! =D

Francine Esqueda disse...

Ai que saudade desta maravilhosa Blogosfera! Saudade de pessoas ótimas como vc! Adorei seu post... que fofas fotos, a historia e a frase de Josh Billings
Agora estou de volta... Sempre correndo atrás do tempo... Cheia de trabalho e compromissos, mas com muita saudade daqui!
Beijos... logo volto!

Éverton Vidal Azevedo disse...

Ri muito e tenho que confessar que até dei uma lagrimada (porque homem não chora =P ^^) lembrando da pretinha. Não teve jeito. Tive que parar pra escrever um texto.

BJ!

Amigao disse...

Estou há um tempo lendo este post e só hoje consegui um tempinho pra ler até o final.
Em outra época eu diria, até o mês passado por exemplo eu ia chamar você de louca.E hoje, olha eu ai, quase chorando com estas histórias.
A Ana Carolina, agora pegou o hábito de dormir atrás do fogão, como vou tirar este costume dela?
Vou ler o outro post.

Amigao disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Natália disse...

É claro que eu acredito nessas peripécias quase humanos do Lancelot. Quem tem cachorro sabe direitinho que por mais que essas coisinhas aprontem todas a gente sempre acha engraçado e não tem coragem de brigar.
Aqui em casa é do mesmo jeito e eu apaixonada demais pela minha bichinha, que não pode nem sonhar em ter outro cachorro por perto, que ela já moooorre de ciúme.

Beijo, Lore