domingo, 25 de maio de 2008

O Carteiro e o Poeta.

Essa semana eu me encontro num momento especialmente "poético". Não que eu esteja escrevendo poesia, apenas tenho parado para apreciá-la de uma forma especial, discutido sobre ela com pessoas a minha volta, e até nos filmes que aluguei para o feriado ela coincidentemente está presente. Um desses filme foi "O Carteiro e o Poeta", filme italiano de 1994, que trata justamente da poesia como eu a tenho visto e refletido sobre ela.


Eu não quero contar muito do filme para não estragar a quem ainda não assistiu, mas trata-se da relação de amizade entre um carteiro muito humilde, semi-analfabeto de uma pequena ilha de pescadores, com o poeta chileno Pablo Neruda em seu tempo de exílio na Itália. Antes de conhecer Neruda, um verdadeiro poeta, nosso carteiro Mario sabe muito pouco de poesia, apenas que serve para auxiliar nas artes da conquista. O primeiro contato acontece por essa expectativa, a de se fazer sedutor, é que Mario compra um livro de Neruda e pede para que ele o autografe, que com a amizade do poeta poderá enfim conquistar as mulheres. Com o tempo, a amizade se estreita e a admiração pela pessoa, num primeiro momento, e pelo grande autor é que fazem com que Mario passe a enxergar a vida como um grande "mar de metáforas". Pronto: fez-se a poesia na vida de um humilde trabalhador de uma pequena vila no interior da Itália. E eu me pergunto porque não pode ser assim com todo mundo?

Conversando com os amigos nesse feriado descobri que a maioria deles não gosta de poesia, foi o que eles me disseram. Eu prefiro acreditar que eles ainda não deram conta de que gostam, gostam mais do que imaginam. Por que tantas pessoas dizem não gostar de poesia? Eu sempre me recusei a acreditar que seja insensibilidade, não é. Uma vez minha mãe me disse que gostaria de saber ler poemas... E pensando no que ela me disse, e também no filme, é que eu acho que desvendei o grande enigma: as pessoas não sabem o que é poesia. Não que ela seja um instrumento para um determinado fim; na verdade, poesia é começo, meio e fim, basta saber ler com a alma aberta. Não é uma receita, nem uma descrição, não é uma dissertação sobre um tema, não é uma narração linear sem abertura para indagações. Poesia é subjetividade. Se você não se permite questionar sobre o que lê, se você não se permite interpretar por sua vivência o que está escrito, então nunca vai entender porque diabos existia "uma pedra no meio do caminho"... No meio do caminho do poeta? Não, no nosso caminho, nós todos topamos com tantas pedras nos nossos caminhos... E pra quê saber qual era a que existia no caminho de Drummond, se gnaisse ou granito, se um desafeto ou um amor não correspondido? Ao ler me importa muito mais saber quais são as pedras do meu caminho, quais as aves que gorjeiam no meu lar, quais as dores que eu deveras sinto... Como disse o próprio Mario: "a poesia não pertence àqueles que a escreveram, mas aos que precisam dela."

Quando Mario entendeu o que eram metáforas, ele passou a ver o mundo com outros olhos. As redes de seu pai pescador não eram mais vermelhas e esburcadas, eram tristes; o sorriso da mulher amada não era apenas bonito, mas "espalhava-se como borboletas"; as palvras não são apenas palavras, mas marulhos de ondas, no seu ir-e-vir característico. Palvras não são apenas palavras... Palavras carregam sentimentos, sensações, impressões, vivências, poder, acima de tudo, palavras têm poder (como eu já escrevi aqui, uma outra vez). E a poesia é a demonstração mais profunda do poder das palavras. Não se precisa de rebuscamento para ler as palavras de um poeta. Não precisa ser graduado, mestre, literato, culto. Basta sentir, e de sentir todo ser humano é capaz. Não precisa ser sabidamente poeta para viver a poesia. Você pode ser um humilde carteiro, que um dia percebe que não se precisa correr atrás das palavras, elas vêm a você naturalmente, desde que você se permita percebê-las.

"E foi naquela Época...
A poesia chegou me procurando.
Eu não sei, não sei de onde ela veio,
se de um inverno ou de um rio.
Eu não sei como nem quando.
Não, não eram vozes,
não eram palavras, nem silêncio;
mas de uma rua eu fui chamado abruptamente
dos ramos da noite, dos outros,
no meio de um tiroteio violento,
e num retorno solitário lá estava eu
sem um rosto... e ela me tocou."

Pablo Neruda

20 comentários:

Leandro Neres disse...

Nossa, depois de mais uma noite de estudos, com uma leve dor de cabeça, eis que vejo uma das mais "leves". tocantes, apaixonantes postagens que já vi... Falaste sobre (com) poesia de maneira que até minha dor de cabeça se foi, uma leve angústia que tinha de sei lá o que também foi passando... Puxa... Preciso ver este filme... Eu sempre tive uma relação especial com a poesia, sempre me fascinou... Nunca fui poeta, mas sempre brinquei de poetizar, é uma das atividades que mais me dão prazer... Gostei muito, muito do teu post...

"você não se permite questionar sobre o que lê, se você não se permite interpretar por sua vivência o que está escrito, então nunca vai entender porque diabos existia "uma pedra no meio do caminho"... No meio do caminho do poeta? Não, no nosso caminho, nós todos topamos com tantas pedras nos nossos caminhos..."

Uma das coisas mais lindas e geniais que li nos ultimos dias... Obrigado por este presente de fim de noite Loli...

E sim, estou com muito sono, portanto coisas ilógicas podem ter saído no meu comentário, rs...

Fica com Deus
Leandro

Agda Gabriel disse...

Querida...estou em divida contigo...por falta de tempo! Perdoa essa amiga com quadrupla jornada sem tempo nem para chorar! Graças! Olha, fiquei curiosissima para ver o filme, e na minha agenda de filmes para "ver", ele foi pro primeiro lugar da lista, por conta do que vc deixou, sabiamente, por revelar! Obrigada pelo selo! Amei muito! Estou respondendo o meme hj! Vê se pode uma coisa dessa! Salvei a pg inteira em disquete para poder le-la com calma, sem precisar conectar, pois ainda estou sem net no trabalho e em casa esta tudo acumulado...Mas, logo estarei com mais recursos disponiveis para apreciar as delicias do seu blog. Grande beijo e saudade.

Francine Esqueda disse...

Olá! Passei para dar uma bisbilhotada, e... Muito bom este texto!
Beijos e boa semana!!

Maya disse...

O problema é que o primeiro e muitas vezes único contato das pessoas com a poesia (poemas MESMO) se dá na escola, de maneira totalmente atravessada. Afinal, poemas vêm em diários, guardanapos e livretos, não enlatados em livros didáticos ou apostilas. Além do mais, apreciação de qualquer coisa está sempre ligada à disposição afetiva, e a sala de aula raramente é um lugar que promove isso.

Lorena disse...

Pois é, pri, eu queria mesmo tocar no assunto "sala de aula", mas o texto acabou tomando outro rumo... eu concordo plenamente com vc, talvez escreva mais um texto dessa série "qual o problema com a poesia?" e aborde esse lado. =)

beijos!

Amigao disse...

Eu assisti o filme no cinema é muito lindo mesmo.

Beijão do amigão

Éverton Vidal Azevedo disse...

Nossa Lorena é umas das melhores postagens que já li nesses blogs da vida, sem exageros. Sobre o filme olha só a coincidéncia, estava lendo sobre ele em casa nesses dias. Nunca pude asssitir, mas se já tinha vontade quanto mais agora.

Eu também concordo com você (eu nem me admiro mais disso rs), acho que a maioria das pessoas que dizem nao gostar de poesia nao a entenderam ainda, nao a sentiram ainda. É uma pena que nem sempre encontramos maestros como Neruda na vida, na verdade eu penso que a escola trabalha mais contra o amor pelas palavras do que a favor.

Gosto muito de Neruda. Muito mesmo. Sou louco pelo "20 poemas de amor e uma cançao desesperada, acho que já deve ter lido umas vinte vezes esse livro, até porque é pequeno. Se quiser eu te mando um daqui (é pirata mais serve :P).

Teu último parágrafo coroou o texto. "As redes de seu pai pescador não eram mais vermelhas e esburcadas, eram tristes;"... nossa fiquei pensativo, quantas metáforas da minha vida ainda preciso ver...

Bj.
Inté!

Nando Damázio disse...

Lô, vou te confessar uma coisa e espero que você não me queira mal por isso: eu não vivo sem ler, leio muito, mas prefiro bem mais os contos e romances do que as poesias ..
Até acho bonitas e tal, mas na verdade não curto muito !!

Quanto ao filme, esse eu quero ver assim que tiver a oportunidade ..
Beijo !!

Adriano Caroso disse...

Bem Lorena, não vou ler nenhum comentário antes de escrever o meu. Na verdade não será um comentário e sim uma reflexão.

Seu texto tocou fundo na minha alma por toda a contradição que ela sempre viveu. Sempre tive vontade de escrever poesia mas, assim como as pessoas que você descreve, não sabia entendê-las e, por isso não gostava de lê-las. Vc acredita? Quase nunca li nada de poesia em minha vida!
É verdade. Nunca li Clarice por exemplo. Como alguém pode pensar em ser poeta se nunca leu Clarice Lispector. Conheço um bocado de coisa dela que alguém citou aqui e ali mas eu mesmo nunca li. Assim como ela, vários outros poetas, a lista seria imensa. Na verdade, minha leitura, em matéria de poesia é muito pequena. Claro que isso tem mudado e muito, mas me identifiquei com o seu texto de uma forma visceral. Um dia eu já fui como Mário. Essa é a verdade. Aliás, nunca assisti esse filme, sabia?

Eu sempre fui muito pior do que seus amigos. Não é que não gostasse de poesias. Gostava de ouví-las mas não de lê-las. Logo eu? Neto e irmão de poeta! Por falar em meu irmão ele sempre me disse: -Velho Dil, por mais que vc fuja da poesia, um dia ela vai te encontrar, esse é o seu destino.
Acho que ele estava certo.

Hoje sou uma farsa, um neófito metido a poeta, mas acho que estou no caminho. Me expondo, lendo e escrevendo. Não tem caminho melhor para o poeta. Pelo menos é o que eu penso hoje e espero que esteja certo. Vocês estão me dando uma força danada. Quando vejo uma pessoa com a sua sabedoria, sua consciência e inteligência, elogiar o que escrevo, sinto uma força danada para continuar. Renova meu gás e minha inspiração.
Já falei demais. Agora vou ler e chorar. Beijos!

Adriano Caroso disse...

Com sono ou sem sono assino em baixo de tudo que Leandro falou. O cara é realmente DEZ! "Uma das coisas mais lindas e geniais que li nos ultimos dias... Obrigado por este presente de fim de noite Loli..." Valeu!

Adriano Caroso disse...

Os comentários falam por mim. Duummerchick falou sobre a sala de aula e você mesma prometeu e ficou devendo este capítulo. Concordo com ela e contigo, só não tenho propriedade para escrever sobre o tema. E Éverton? Ah! Esse nem se fala. A muito tempo não leio alguém tão coerente como ele. Um dia eu chego lá! Amo todos vcs! Beijos com lágrimas!

Leandro Neres disse...

Obrigado Adriano pelo DEZ haha! Mas realmente, eu fiquei lagrimoso, rs com este texto, meio que com um friozinho, sei lá... Fazia tempo que não era pego por algo assim, que texto maravilhoso mesmo, não canso de repetir...

O Profeta disse...

Uma voz quebra o silêncio
Um espelho retêm a beleza
Vi com os olhos fechados
A fúria da minha incerteza

Fecham-se as janelas de poente
Este nevoeiro galga o pensamento
Uma semente solta num ribeiro
Corre no incerto de cada momento


Deixo-te uma doce acalmia


Mágico beijo

Maya disse...

Essa descoberta de Mario foi o que me fez optar pelo curso de letras. Foi quando eu percebi o poder invisível da linguagem. Inclusive eu queria ensinar Literatura quando ingressei na universidade, não Língua Estrangeira.

Maya disse...

Siiiiiiiiiim! Já que você curte essas reflexões sobre os rumos da leitura, tem uma autora que você precisa conhecer já (se já não conhecer, claro): Marisa Lajolo! Você vai amar!

Lorena disse...

Eita, acho que vou responder o pessoal por aqui, espero que leiam... Estou sem tempo de nada de fazer um post novo, mas assim que fizer um menos reflexivo agradeço a participação de vocês nele, viu?

Adriano: não, você não é pior que ninguém, Adriano, por não ler poesias... Ninguém é pior do que ninguém por isso, vá lá que eu acho que algumas pessoas perdem um tanto por não entederem que gostam de versos (afinal, quem é que não gosta de música?? E música não são versos, da mesma forma??)... E você então, meu amigo, pode não ler poetas famosos mas a poesia está na sua alma! Acho que deve ser de família, se seu pai e seu irmão são poetas...

Olha, eu também já não gostei de poesia, já não li poesia durante muitos anos da minha vida, e até hoje li muito poucos autores. Tenho tentado triar esse atraso, tentado me redimir lendo cada vez mais, mas ainda tenho um caminho longo pela frente... E ler poetas não tão famosos têm me feito muito bem também, você, Vidal e o Leo estão na lista desses poetas "quase-desconhecidos" que eu admiro tanto! =)

Pri: você fez o curso dos meus sonhos mais ocultos! hehehehe! Eu amo o que eu faço, mas acho que não vou ficar em paz enquantonão fizer Letras... tenho muita vontade de aprender mais sobre o universo literário, nem tanto pra atuar nessa área, mas para entender mesmo. Vou procurar essa autora, não a conheço. É que depois que você já está inserida na Universidade, num curso tão oposto à literatura (como Biologia, meu caso), você acaba negligenciando autores que não são os do seu campo de atuação... Mas eu vou anotar o nome dela e dar uma olhada na Biblioteca aqui. Obrigada pela dica! :hug:

Pessoas, queridos, obrigada pelas respostas ao texto. Não esperava essa recepção, estou falando sério, escrevi esse texto à 1:00 da madrugada, num rompante... Que bom que agradou, enfim! Prometo voltar ao tema, assim que tiver mais um tempinho.

beijos!

Nando Damázio disse...

Valeeeeu, Lô !!

Olha, tem presentinho pra você lá, tá ??
Beijo !!

Bruna disse...

Eu sempre gostei de ler, e gosto de letras de músicas e roteiros de filme, acho que são formas diferentes de poesia.
Mas acho que você procura muito mais por poesias do que eu, por exemplo. Eu não tenho muito saco pra ficar lendo aos montes, sabe?
Adoro esse filme. O final é triste demais, e a fita que ele grava? Muito linda.. enfim, os dois atores já morreram e isso me deixa triste também, até porque o ator que faz o Mario nem pôde ver o filme pronto.. =( Mas com certeza ele teria se orgulhado muito de ter escrito e atuado num filme tão fofo!
Beeeijos! ;)

Anônimo disse...

Sugestão anotada!!

[desculpe a ausência, a falta de argumentos nos comentários, mas é que essa semana tá corrida demais pra mim]

Beijoos

Anitha disse...

Nuss Loli!
Eu sempre dizia que não gostava de poesia. Na verdade, acho que dizia isso por não ter coragem de deixar ela fazer parte da minha vida.
É legal ver que se você dá um espacinho de nada pra ela, ela invade a tua vida toda.
Não digo que conheço poesia, nem que sou grande adimiradora, mas aprendi a ver que ela sempre está presente em tudo.


Parabéns pelo post!

;]