quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Estado de Graça


Hoje, ao chegar em casa, me deparei com um buquê enorme de hortênsias em cima da mesa da cozinha. Achei lindas, hortênsias roxinhas, frescas de colhidas na hora. No meu quarto achei outro pequeno buquê de hortênsias roxinhas, improvisados num copo alto (porque não temos jarro para as flores, somos estudantes, eu e minha irmã, e não tem bicho mais relapso com decoração que estudante), ao lado da minha imagem de Nsa. Senhora das Graças. Achei lindo de novo e sabia quem havia colocado ali: nossa faxineira, Dona Graça.

Imagina uma senhora, não tão velha que aparente idade nem tão nova que não seja castigada pelo tempo, mulher de idade indefinida com idade para ser sua mãe. Voz mansa, olhar calmo e resignado, daquela humildade subserviente. Provavelmente muito calejada na vida, mãe muito nova (já tem dois netos pra ajudar a criar), marido não dos melhores, trabalha desde cedo, que trabalho dignifica o homem e a mulher também. A voz é quase sumida, a gente tem sempre que pedir "repete, por favor, Dona Graça", senão não se entende o que ela fala. Fala pra dentro e com a cabeça baixa... Eu não gosto dessa atitude, mas sei que é sua natural, ela não vai mudar porque foi ensinada a tratar a patroa assim, mesmo que as patroas sejamos eu e minha irmã; ou seja, nenhum estereótipo de senhoras de escravo. Ela não é das melhores faxineiras que eu já vi; na verdade, é devagar quase parando e temos que escrever suas tarefas semanais semanalmente, ou ela "esquece"... Mas é direita, é honrada e é sempre muito, muito prestativa em tudo. Por isso nunca tivemos coragem de mandá-la embora, mesmo que às vezes dê vontade.

Hoje, depois da surpresa com a profusão de hortênsias, minha irmã me explicou o motivo da primavera: é dia de Nossa Senhora das Graças. Minha faxineira não se esqueceu do dia de sua madrinha e não se esqueceu da minha pequena imagem da santa, que eu gosto muito por ser simples e bonita. E que ela gosta mais do que eu, é o objeto mais precioso de toda a minha parca coleção de pertences, para ela... D. Graça esquece de tirar a poeira da estante, de varrer debaixo da cama, de passar os panos de prato... mas a imagem da santa está sempre imaculadamente limpa e arrumada no seu cantinho da minha escrivaninha. E essa demonstração de fé, tão singela, tão mineira e tão brasileira, me comove. E da comoção nasceu a idéia do presente de Natal: vamos dar graça à vida da Dona Graça, com imagem da madrinha e tudo.

Que ninguém conte para ela, que ainda é segredo.


9 comentários:

Letícia disse...

A vida é simples e mesmo não sendo perfeita, essas pessoas simples e suas crenças aguentam qualquer obstáculo. Queria acordar com a casa cheia de flores. Eu tenho uma jardineira cheia de margaridas azuis. Vez por outra, resolvem abrir e eu fico lá, olhando as flores. E sem dúvida, ela vai adorar o presente, Lori.

Você faz de um dia comum, o dia perfeito.

Beijos.

disse...

Olá minha criança!assim todas as pessoas pudessem cultivar uma devoção tão linda a Nossa Senhora como sua Dona Graça, que na mais pura e verdadeira fé te fez um carinho em oração.
Garanto a você que ela jamais receberá presente tão precioso.
Lo que seus passos e os de sua irmã sejam guiados pela mãezinha querida e que ela lhes cubra de suas Graças.
Amém!
Vovó Rô1

Dulce Miller disse...

Eu tenho pra mim que Dona Graça faz o que está ao seu alcance, talvez se ela tivesse tido mais oportunidades não seria faxineira porque pelo jeito não é esse o dom dela rsrsrsrssr
Mas ela parece ter um coração de ouro e é isso que importa.
Mereceu a homenagem só pelo gesto com as flores.
Gostei muito da atitude dela e consequentemente, da sua!

Beijo, querida!

Éverton Vidal Azevedo disse...

Lindo texto. E o nome é fantástico."Estado de graça". Você conseguiu passar de uma forma bem simples, bem cativante a graça que encontrou na Dona Graça.

E é bonita a sua fé na nossa Senhora das Graças.

Bj!

Jacinta Dantas disse...

Escutando você falar, dá até vontade de abraçar a pessoa que faz sua morada tão cheia de carinho, em dia de graça à N.Sra. das Graças.

Camila disse...

Gestos. Simples gestos. É incrível o poder que alguns conseguem ter sobre a gente. E flores, as sempre cativantes flores, têm poder sobre nosso sorriso, chega a ser mágico. Mas a fé é maior que tudo isso, maior que o poder das coisas, ela sim nos engrandece e nos torna pessoas pessoas melhores sempre. E você misturou tudo isso, ou foi a dona Graça que fez a mistura, ou foram as duas, mas as palavras são só suas e elas também têm poder, e como têm! E as suas então...

Você tranforma uma simples narração de fatos em descrição de sentimentos. Lindo!

Beijos, Lores!

Maya disse...

Ai, eu sinto até o prazer de um cafuné de dona Graça! Ela deve ser uma enciclopédia ambulante de sabedoria, num é não?

Ei, que saudade de você, maninha linda! Eu tô longe mas continuo ligada, viu? E decidi que vou mandar Polly mais perto do Natal, pra ficar mais simbólico!

Ju disse...

Lorena,

Como você, também sou estudante "expatriada" e sei bem o valor que um carinho desses tem. Também tenho uma "D. Graça" que toma conta de mim. O nome dela é Mari, mas a gente a chama de Galega. Ela é a alegria em pessoa e não pára de falar.
Não ganho hortênsias, mas sempre ganho orações e cuidados.
Beijinho pra você!

Natália disse...

Lindo esse texto. Tão singelo.
Imaginei agora a Dona Graça descobrindo via blog que vai ganhar uma imagem da santa. =D