terça-feira, 28 de abril de 2009

Beatriz

Um grande guarda-chuva vermelho em um dia tingido de cinza. Olhava para as gotas de chuva que batiam no concreto da calçada do ponto de ônibus, os olhos perdidos num olhar pra dentro. Moça ainda, olhos negros feito as nuvens que trouxeram tempestade, anuviados e um tanto quanto molhados, combinantes com o clima, guardados inocentemente pelo vermelho alegre do guarda-chuva. Melancolia, sua expressão gritava em silêncio. De onde vinha a tristeza, os olhos úmidos e a boca contorcida, de quem morde o canto interno da bochecha, bem o esquerdo, de onde? Motivos existiam, motivos existem sempre. Qual foi a flama que acendeu o estopim e desencadeou a explosão, não sabia. Refletia, mas não sabia nunca. A vida apresentava tantas possibilidades que ela, em sua sempre confusa caminhada por esse mundo confuso, nunca enxergava em qual delas estava o motivo, O motivo que lhe fazia querer correr ou ficar, gritar ou calar, sorrir ou... chorar. Possibilidades infinitas, multiformes e coloridas. Um labirinto. E se deixava perder porque, inconscientemente, ainda não queria encontrar o caminho certo. Viver no labirinto era nunca deixar de escolher e escolher era seguir vivendo surpresas, fossem boas ou ruins. E encarava com a mesma disposição intensa, ora radiante ora deprimida, o que quer que o caminho lhe sugerisse. Ainda que lhe dissessem, e tentava acreditar, que o motivo era necessário, a busca lhe interessava muito mais. E era isso que fazia enquanto o ônibus não vinha, pensava e buscava, dentro de si e no fundo de suas lágrimas, a grande razão para o todo das partes. A cola que une tudo junto.

"Me leva para sempre".

Não. Era a resposta padrão. O sim trazia calma e quietude, conforto até. Uma negativa era fechar portas e dar com a cara na parede, mas sempre havia os outros caminhos do labirinto. Um sim era chegar a um final pela metade; o não era continuar a busca. Um não era o sim para outras possibilidades. E se fazia sofrer, e como! Que sofresse, com toda a intensidade, que sofresse na sua tentativa de entendimento daquilo que já estava interiormente sedimentado. Que quanto mais exaustiva e intensa a entrega na procura, maior é o sentimento de paz no encontro com o final verdadeiro.

E o mundo se abriu em um sol que acendia até a alma. Ela fechou o guarda-chuva vermelho e decidiu caminhar. Sempre o caminho mais longo.



Imagem: deviantArt

13 comentários:

Kenia Santos disse...

O que digo?! Que às vezes a gente encontra coisas que parecem escritas pra gente. Eu não gosto de caminhar, menos ainda de longas caminhadas, mas talvez seja exatamente isso que estou precisando fazer - andar, por mim.

Beijo grande e sucesso sempre.

Dulce Miller disse...

Beatriz... por sua causa e por causa de Letícia, estou começando a gostar muito deste nome! :)

E os meus caminhos são sempre longos, mesmo diante das negativas e afirmativas ...e eu continuo na busca! ;)

Beijos, queridona!

Camila disse...

"Ainda que lhe dissessem, e tentava acreditar, que o motivo era necessário, a busca lhe interessava muito mais."

Lorena Ferrari

Se essa frase não foi pra mim, eu me apossei dela, Lores. Porque sou das que fica pensando em coisas para pensar, mesmo quando pensar nem é tão necessário assim. Prefiro gastar horas pensando nos porquês a ter a resposta, até porque as respostas nem sempre me convêm. E caminhos longos me parecem sempre mais tentadores, apesar de não querer que fosse assim.

Leio você e me vejo.

Beijos, linda Lores!

Letícia disse...

Lori,

You're back. E contando histórias... e eu sou a plateia que fica feliz quando a atriz não perde a voz.

E amo esse nome Beatriz.

Love u.

Nina Ferrari disse...

Aaa Lora, paráaa!
Como você consegue?
Perfeito esse texto, parabéns mesmo!

beeijo.

Nina Ferrari disse...

Obrigada Lora, pelo apoio, e pelo elogio.
Vindo de você eu acredito!
:D

Beijo.

Beto Canales disse...

muito bom

Anônimo disse...

Lorena, você escreveu a minha vida há dois anos. Eu não teria feito uma descrição melhor do que eu senti naquela época...

beijão
;*

Anônimo disse...

Lindo, Lorena! Me emocionou.
bjs

Anônimo disse...

Lolli!!
Que lindo!!
As suas palavras arrancaram lágrimas do meu coração...
Aqui chove, dentro e fora de mim... o caminho é grande demais, e a vontade que tenho é de segui-lo, sem guarda-chuva, apenas seguir pela estrada e descobrir a beleza dos caminhos e os desenhos que as gotas de chuva faz!!!
Lindo demais, querida!!!
Beijoos

Luyza ϟ disse...

'Sim, me leva para sempre, Beatriz'
Acho que Beatriz do Chico era esta moça do guarda-chuva vermelho em um dia cinza.
Lorena, muito obrigada por retribuir a visita :)
Desculpe a ousadia de colocá-la nos meus favoritos sem avisá-la: eu não poderia resistir, gostei muito do seu blog.
É lindo, sempre. :**

Líviarbítrio. disse...

Tenho um pouco, ou muito, de Beatriz. Sempre decido caminhar, caminhar muito quando os sentimentos me cobrem.

"m sim era chegar a um final pela metade; o não era continuar a busca".

E às vezes o NÃO é tão necessário.

Confesso que me espantei com o resultado do teste. Sempre achei que eu fosse um pouco doida, mas não tão louca quanto Clarice. Sinto um sincero medo. haha.

Beijos, flor.

Anônimo disse...

Lindo seu texto! Que feliz acaso!! Representando cada Beatriz que possui o poder em seu nome, de trazer a felicidade, lhe agradeço pelas lindas palavras aqui expostas.
Beijos da menina do guarda-chuva vermelho